Batman vs Superman (com spoilers)

Porque não gostei do filme, porque entendo que você tenha gostado e porque a primeira aparição da Trindade da DC poderia ter sido muito melhor

JMTrevisan
8 min readMar 26, 2016

Antes de tudo, duas coisas.

Primeira: é O.K. você ter gostado do filme. De verdade.

Eu não acho que você seja burro ou que não conhece os personagens ou que não sabe o que está fazendo da sua vida só porque gostou de Batman vs. Superman. Num mundo um pouco mais normal eu nem precisaria escrever esse parágrafo, mas do jeito que as coisas andam, não custa nada.

Segunda: Eu sou chato com entretenimento. Ou só chato no geral mesmo. Meus amigos sabem, minha namorada sabe, minha família sabe e agora você sabe também. Espero que possamos continuar amigos.

Sobre Batman vs. Superman em si: achei uma porcaria.

O Fator Snyder

Você diria não para este homem?

Sabe o que é pior? Eu não desgosto do Zack Snyder. Acho que todo mundo adorou a versão dele de Madrugada dos Mortos. 300 é bem legal. Sucker Punch é meio bobo, mas divertido. De Watchmen pra frente é que a coisa começa a complicar, mas desse eu já falei em outro texto.

Gosto das tomadas épicas que ele faz e até acho que ele tem uma capacidade boa de achar sensibilidade em cenas que na mão de outro diretor seriam banais. As cenas de ação são espetaculares, e vira e mexe têm aquele tom documental que virou meio padrão na indústria nos últimos anos, mas que não me desagrada nem um pouco.

Mas um filme não é só isso.

Quando assisti Man of Steel, o filme anterior do Super, fiquei com a bizarra impressão de que faltavam pedaços da película. Como se alguém tivesse arrancado umas partes do roteiro sem se importar em colocar algo no lugar ou dar coerência para o que sobrou. Há quem ache que Batman vs. Superman corrige isso. Eu fiquei com a impressão que piora.

Nada faz muito sentido no roteiro, na real. O filme inteiro é uma colagem de sequências espetaculosas — todas muito bem feitas — sem lá muito critério e o fio que há de história se contorce e rebola para tentar acomodar o show.

É a única explicação, por exemplo, para a cena do pesadelo do Batman no deserto, alardeada nos trailers. É um presságio de acontecimentos futuros? Pode ser. Mas tira a força da trama(?) principal, não acrescenta nada (o quadro dos anjos e demônios e o próprio Lex Luthor no final já dão sinal mais do que suficiente) e estica um filme já desnecessariamente longo.

Esse poder de retratar o épico que Snyder tem é, a meu ver, usado de um jeito que transforma o que deveria ser uma vantagem em calcanhar de Aquiles.

Uma cena só é impactante de verdade se tiver um setup, uma preparação anterior. Se vai haver uma grande tempestade que devastará uma cidadezinha, é normal que o cineasta mostre o quão paradisíaco é o lugar, como os moradores ali são legais e tudo é tranquilo. Quando a tempestade chega, você sente o peso da tragédia.

Em Batman vs Superman, Snyder não dá espaço para nada disso. Não há tempo. O cenário é de desolação o tempo todo. Todas as cenas surgem na tela com a pretensão de uma marretada na boca. A trilha é ensurdecedora 99% do tempo.

Se você faz isso, principalmente num filme longo como este, o impacto se perde e vira anestesia. Se TUDO tem peso, nada tem peso, porque não há parâmetro de comparação. Quando a única parte de Batman vs Superman que realmente funciona chegou, eu já tinha entregado os pontos e não tinha mais forças ou vontade de vibrar com nada.

Simplificando: se Snyder refilmasse Tubarão, o monstro/animal título apareceria desde o primeiro segundo, filmado de todos os ângulos possíveis, em câmera lenta e com o famoso tema estourando as caixas de som por mais ou menos 3 horas.

Crise de Identidade

“Não olhem pra mim. Eu também não sei muito bem o que tô fazendo aqui”

Os personagens não são só pobres. São ocos.

Há uma emoção para cada um, se muito. Alfred tem uma abordagem interessante, soterrada pelo estoque único de frases irônicas e tiradinhas. O mesmo vale para Perry White, que pelo menos arranca algumas risadas.

Batman/Bruce Wayne está sempre com o maxilar travado de ódio. Superman/Clark Kent com a testa franzida num imutável ar de preocupação extrema. Diana Prince passa o filme andando pra lá e pra cá, fazendo cara de mistério, como quem não tem muito mais o que fazer além de esperar a deixa para (aí sim, sensacional) entrar em cena como Mulher Maravilha.

E não há diferenciação entre alter-ego e herói, praticamente. No comportamento, Clark/Super e Bruce/Batman se comportam exatamente do mesmo jeito com ou sem uniforme.

Lex Luthor virou uma caricatura sem graça ou genialidade e o problema não é nem o lado bufão meio doido. De certa forma Gene Hackman também tinha esse lado “cientista maluco” no filme de 78 (mas sim, era Gene Hackman), mas a versão 2016 não vai muito além disso. É um personagem cheio de cacoetes, com falas desconexas e uma motivação que sequer faz sentido — considerando que exista uma.

Já vi críticos apontando os atores como culpados disso tudo, mas discordo. Tem mais cara de roteiro pobre e deficiência na direção de atores mesmo. Fica muito difícil salvar um filme quando os diálogos são tão terríveis (e dizem que Ben Affleck tentou arrumar o desastre, reescrevendo parte de suas falas no set).

O arsenal de acontecimentos inexplicáveis também é bem grande. Me corrijam se eu errar:

  • Superman é suspeito do massacre no deserto. Um massacre em que os mortos sofreram ferimentos a bala. E e em que Superman salvou uma repórter de grande credibilidade, funcionária de um grande jornal. Mesmo assim, ninguém dá bola para o que ela diz.
  • A mesma Lois Lane, mulher inteligente, vivida e entendedora dos assuntos metahumanos, segura por um instante a única arma capaz de matar o amor de sua vida. A perigosa kryptonita. E o que ela faz? Joga o cetro no primeiro buraco alagado que encontra.
  • Super continua salvando pessoas de enchentes, menininhas de incêndios, mas dane-se. Ele é poderoso demais, um mal para a humanidade e pode acabar com tudo a hora que quiser. Porque sim. Prendam-no!
  • Bruce Wayne é um homem razoável, com 20 anos de carreira no combate ao crime como Batman. Um detetive treinado, dotado de recursos financeiros e tecnológicos infinitos. Um justiceiro que em seu início de carreira sofreu a desconfiança da mídia e das forças policiais a despeito de suas boas intenções. Ainda assim, sequer passa pela cabeça dele investigar a real responsabilidade do Superman no acontecido. Ou, talvez, entrar em contato com Lois Lane, presente no caso que serviu de estopim para todo o problema posterior. Superman derrubou um prédio de Wayne e isso por si basta para que o Filho de Krypton tome um block infinito no Facebook do Homem Morcego.
  • Ou pelo menos até ele descobrir que o nome da mãe dele é o mesmo da mãe de Clark Kent, no pior plot twits da história recente dos filmes de heróis (Querido Tim Burton: eu não esqueci do Coringa como o verdadeiro assassino dos pais de Bruce Wayne. E ainda não perdoei). A virada na trama é tão ruim que é preciso a presença de Lois Lane para explicar-la ao chocado Batman.
  • A bomba no Capitólio explode, segundo o próprio Superman em uma fala que deveria soar filosófica mas soa só tonta mesmo, porque o herói não estava prestando atenção.
  • A cara do Batman de “não me bate” quando o efeito da kryptonita passa.
  • Superman, com sua superforça, supervelocidade, visão de calor (eu colocaria visão de raio X também, mas não lembro se o poder já foi estabelecido na nova versão), consegue resolver todo tipo de problema, menos encontrar a mãe aprisionada na cidade em que ele mora.
  • Martha Kent, inclusive, estava tão bem escondida, mas tão bem escondida que bastou uma ligação de Batman para o fiel Alfred, uma consulta no BatGoogleMaps e uma nave cheia de armas nada discretas para resolver o assunto.
  • Discute-se o filme todo sobre a destruição causada pelo Super na luta contra Zod (uma premissa que poderia ter sido bem interessante na real). Qual a consequência disso? Os heróis decidem destruir duas cidades na luta contra Apocalypse.

Entre Mortos e Feridos

“Pra trás, machos. Deixa que eu resolvo”

Nem tudo é desgraça. Algumas coisas funcionam.

Em termos visuais, o Batman de Affleck é mais Batman do que nunca. O uniforme e estilo de luta são os melhores do morcegão no cinema até hoje (Sorry, Adam West).

Cavill é MUITO Superman, por mais que as eternas viúvas de Christopher Reeve chorem.

Gal Gadot deu um tapa na cara da sociedade apesar do pouco tempo na tela. E as vestes da amazona são perfeitas, fazendo a ponte entre a tradição e a modernidade. A própria presença da personagem no filme é extremamente benéfica do ponto de vista da representatividade, um fato que não deve ser ignorado.

O ato final, com a luta contra o monstrengão Apocalypse, também acerta. E seria ainda mais fantástica se Snyder já não tivesse gastado todo seu repertório nas duas horas anteriores.

O que torna tudo ainda mais triste: deram os melhores ingredientes, uma cozinha de primeiro mundo, um orçamento infinito, e o cozinheiro conseguiu errar a receita.

Mas se é tão ruim, por que eu gostei?

“Não fica assim. Chora aqui no ombro do Tio Bruce”

Porque o mundo é assim, jovem padawan. As pessoas são diferentes e têm expectativas diferentes quando querem se divertir. Eu, por exemplo, gosto dos Episódio I, II e III de Star Wars. Faz parte.

Mas, de verdade, não tem nada de errado em gostar do filme. Talvez o que há ali seja o suficiente para você. Muitos fãs queriam há muito tempo ver a Trindade junta na telona, e isso o filme entrega. E como eu disse, o último ato funciona.

Há também uma divisão bem grande na reação da galera. Vi muitas opiniões favoráveis. Mesmo não gostando, não acho que perdi meu tempo indo ao cinema. Meu carinho pelos personagens não diminuiu, e talvez o meu não arrependimento e a opinião de quem gostou também se devam a isso.

Imagina que você tem um tio muito querido e que você não o vê há anos. Aí ele avisa que vai passar o fim de semana na sua casa. E que agora é mágico. Você pensa, “Meu tio nunca foi mágico”, mas vá lá. Ele te manda uns videos teaser vestido de fraque e cartola e a coisa toda parece meio fora de lugar, mas você releva. Então chega o dia e ele decide fazer um show particular de mágica pra você. E dá tudo meio errado. A pomba sai debaixo da mesa um pouco antes da hora, uns três truques falham e os que dão certo até uma criança de 3 anos descobriria como se faz. Mas ele segue o show até o fim. E você aplaude, ainda que meio constrangido, e dá um abraço nele. Porque o show foi uma merda, seu tio não tem talento, mas ainda assim é seu tio.

Acho que Batman vs Superman é meio que isso pra quem gostou. Tá valendo.

Mas se o tio fosse meu, durante o abraço eu chegaria no ouvido dele e diria: “Cara, eu te adoro, mas chega de mágica”.

Vale pra você também, Zack.

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JMTrevisan

Co-autor de Tormenta, tradutor da revista Rolling Stone, Gerente de Comunicação da Jambô Editora e roteirista de @LeddHQ. http://jamboeditora.com.br/manga/ledd/