O que são heróis?

JMTrevisan
3 min readApr 12, 2021

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Então. Hoje seria aniversário do meu pai. Ele faria 86 anos.

Eu invejava muita coisa nele. A honestidade, o senso de humor, a esperteza nas respostas e nas piadas. Mas eu invejava — e ainda invejo —, de verdade, era a voz.

Ja contei essa história, mas o apelido dele no trabalho era Trovão. O quão foda é ser apelidado de Trovão? Sério. Enfim, eu também invejava quando ele cantava. Achava sobrenatural, um superpoder. Não entendia como era possível.

Eu também já contei, mas ele foi cantor parte da vida, ganhou prêmio em festival, até ter que trocar o sonho por coisas mais palpáveis. De vez em quando a gente conseguia arrancar umas músicas dele, mas isso foi rareando com o tempo. Ele falava que não sabia mais tocar, não sabia mais cantar. Eu tinha noção que o tempo passa, e tentei por anos arrumar um jeito de ter algo registrado além do disco que ele tinha gravado séculos atrás (não era um disco DISCO. Pensa como se fosse uma fita demo. Você pagava os músicos, o estúdio, gravava e levava nas rádios, só que era um vinil. Minhas irmãs que que me desmintam se eu estiver contando errado).

Enfim, a gente conseguiu no aniversário de 80 anos. Uma das minhas irmãs pagou uns músicos bons, e ele passou uma tarde inteira cantando. Tenho tudo isso em vídeo e agradeço até hoje que isso tenha acontecido. No dia, eu escrevi um discurso em homenagem a ele, na pegada dos editoriais da Dragão que fazem a Camila chorar, mas naquele dia a vítima fui eu. Puxei minha sobrinha de lado e falei: “Lê você porque eu vou engasgar na primeira frase”. Tenho vídeo disso também, ainda bem. Mas não era nem disso que eu ia falar.

A moral é que antes da Guilda do Macaco a gente fez uma outra stream, com o @BrunoCobbi de mestre, que a gente chama hoje de Arquivos da Guilda. E na época do último episódio meu pai estava em casa. Meu pai não tinha computador, não manjava de YouTube nem nada mas eu resolvi escrever uma abertura para o último episódio, chamei ele na sala e disse “Lê isso aqui que eu vou gravar. É para uma coisa que eu faço na internet”.

Ele nem piscou. Fez uma piada, deu risada e leu de boa. Mesmo que não entendesse o que era “goblinóide” ou o que quer que fosse o resto. Mesmo que nunca tenha entendido 100% o que era RPG. Ele não precisava entender. Ele sabia que eu estava feliz, e se eu estava feliz, ele também estava.

Do meu lado, era um jeito que eu tinha de mostrar para vocês o quanto ele era grande. De colocá-lo de algum jeito no meio do trabalho que a essa altura já ocupou mais de 20 anos da minha vida. Eu não tenho coragem de ouvir esse áudio ainda. Assim como ainda não tenho de assistir os videos dele cantando ou ver fotos dos anos mais recentes antes da morte dele. É uma pena, mas a gente recupera isso com o tempo. Eu fiquei surpreso quando meu psiquiatra disse que o luto leva anos para curar, e descobri que leva mesmo.

Eu não consigo ouvir, mas vocês conseguem. E eu queria que fizessem isso em homenagem a ele.

Coloquei dois videos abaixo: um é o da aventura, que tem a introdução dele. O outro, e ainda mais querido, é um making of, a versão não editada, que mostra exatamente como ele era comigo e com todo mundo. É um jeito de vocês conhecerem um pouco desse cara incrível.

Seria uma desconsideração enorme com os outros pais do mundo dizer que ele era o melhor de todos, mas eu não ligo.

Ele era o melhor pai de todos.

Te amo, Rodolpho Trevisan.

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JMTrevisan

Co-autor de Tormenta, tradutor da revista Rolling Stone, Gerente de Comunicação da Jambô Editora e roteirista de @LeddHQ. http://jamboeditora.com.br/manga/ledd/